segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tudo o que quero é praticar minha fé

Carta de uma noviça aspirante do mosteiro Bát Nhã 

Sou uma moça que nasci e cresci numa cidadezinha costeira do Vietnã durante os tempos de paz. Embora o Vietnã seja pequeno e mais pobre do que outros países desenvolvidos no mundo, eu me orgulho de ser uma cidadã desta nação singular. Eu aprecio a beleza despretensiosa, a rica cultura, o seu antigo espírito e mesmo a sua tumultuosa história que o Budismo Zen partilha desde o nascimento desta nação, dos primeiros dias das dinastias Ly e Tran. Sinto que o meu amor pelo Vietnã é tão natural para mim quanto a minha devoção pelo Budismo. 

Deixar todas as ambições mundanas para trás para ser uma monja noviça, fazer tarefas diárias modestas, varrer e esfregar, aprender a viver a fé Budista, não significa que eu tenha desistido de minha vida ou do meu país – muito pelo contrário. Eu me juntei ao mosteiro não como uma tentativa mal orientada de fugir do mundo, mas de dedicar minha vida a servir a humanidade. Eu desejo seguir nossos ancestrais budistas e praticar a verdadeira fé de amar os meus compatriotas camponeses. Eu aspiro me tornar uma monja budista que se casa com a não-violência (nenhuma luta, nenhuma matança, nenhum roubo, nenhuma fornicação, nenhuma mentira, nenhuma droga ilícita/álcool, nenhum divertimento degradante) e ajudar a diminuir os males de nossa sociedade. O ensinamento do mosteiro Bat Nha reforça a autoconsciência e responsabilidade para com os outros; nós passamos a compreender como os sacrifícios de gerações anteriores pavimentaram o caminho à liberdade para nós, e a apreciar inteiramente o esplendor simples de nossa cultura para que nunca nos sintamos inferiores em comparação aos espalhafatosos espetáculos estrangeiros. 

Ao lado das companheiras noviças eu aprendo a viver modestamente, a cultivar um coração gentil e aberto para um amor maior. Ser capaz de praticar abertamente minha religião pacífica também fomenta paz e bem estar entre os membros da minha família e comunidade. 

Minha vida no mosteiro está destituída de confortos modernos como televisão ou telefone. Eu não tenho dinheiro ou conta bancária; abandonando ganhos sociais privados eu partilho a vida comunal rústica do trabalho árduo, refeições leves, e vestes simples. No entanto eu me sinto em paz e muito mais contente do que antes de me unir ao mosteiro. Esta paz vem de não desejar ser alguém diferente do que sou; não querer mais do que eu já tenho, e ser verdadeira comigo e com os outros. Amando a todos e, no entanto, sem dever a ninguém, estou livre dos apegos comuns que levam a preocupação e medo. 

Rememorando o meu lar secular de antes, eu me lembro que havia muito afeto na minha família, mas não conseguíamos deixar de ferir uns aos outros por causa dos nossos egos interesseiros. O mesmo cenário se repetia na comunidade como um todo, composta por injustiças sociais com pobreza miserável ao lado de riqueza e corrupção obscenas. Ricos e pobres indistintamente buscavam alívio de suas misérias em remédios psiquiátricos, drogas ilícitas e divertimentos que entorpecem a alma, conduzidos pelo estresse inexorável às doenças mentais, suicídios, prisões... eu sofria por causa das misérias humanas à minha volta e dentro de mim, sabendo que os meios materiais não conduziam a felicidade real mas não sabendo como me libertar dos ciclos destrutivos de julgar e culpar. A minha persistente busca por uma melhor maneira de viver, primeiro através de livros e experiências pessoais, depois através do discernimento espiritual, levou-me a Bát Nhã. Aqui eu finalmente encontrei o meu lar espiritual onde eu podia viver no caminho do amor. Aqui estou aprendendo a respirar, viver, jogar e trabalhar junto com mais de trezentos parentes espirituais; em pouco tempo eu transformei carne e osso em uma nova pessoa mais benevolente e feliz! Bat Nha se tornou o meu segundo lar, e nenhum tipo de dificuldade pode me afugentar daqui. 

Sem eletricidade, sem água, sem comida – sem problema! Eu nem mesmo me importo com os impiedosos alto-falantes cuspindo acusações venenosas dia e noite em nossos ouvidos. Esta tortura é uma chance para nós praticarmos amor e não-violência dirigidos as pessoas que infelizmente estão propensas a violência e são desamáveis. Ao prover oportunidades tremendas de aprendizado da paciência, aceitação e profunda apreciação pela vida no momento presente, estes difíceis desafios nos ajudam a desenraizar ansiedades escondidas e nos transformar a partir de dentro. Não importa o quão severas sejam as minhas circunstâncias externas, eu sou grata a todos e não guardo ressentimentos. 

O mosteiro Bát Nhã é uma comunidade de fé pacífica. Através da compreensão e amor nós objetivamos nos transformar e contribuir para o melhoramento de nossa sociedade. Nós pedimos somente liberdade para praticar nossa fé! Por que o governo estimula a destruição de nosso lar? Por que nós cidadãos da lei fomos sujeitos a despejos violentos e a cruéis pancadarias? Por favor, não nos forcem a abandonar o nosso lar religioso e treinamento! Por favor, não separem os nossos irmãos e irmãs! Tudo o que queremos é praticar a nossa religião em paz! 

Tam Thuong 
Monja Noviça [aspirante à vida monástica]