segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A voz dos seus filhos

Carta dos bebês-monges de Bát-Nhã aos policiais. Originalmente escrita em vietnamita traduzida para o inglês. Postada no dia 17 de outubro de 2009 no http://helpbatnha.org Prezados tios policiais, estamos escrevendo esta carta enquanto os nossos corações estão, temporariamente, de volta à paz. Nós amamos muito vocês. Para oferecer a paz e um sono tranqüilo às pessoas, vocês têm que trabalhar duro dia e noite combatendo os criminosos, às vezes se esquecendo de vocês mesmos em nome do povo. Nós somos apenas monges “bebês” com muitas aspirações e questões. Estamos escrevendo esta carta para partilhar nossos sentimentos com vocês, e lhes pedimos respeitosamente que nos escutem, para que possam nos compreender melhor. Hoje à noite o céu está mais limpo depois do furacão Número 9. Deitados à beira da janela, estamos dando as boas vindas ao leve luar em meados do outono. A brisa refrescante está nos levando de volta à Bát Nhã, nossa querida moradia. As memórias estão jorrando em nossas mentes, especialmente as de vocês, nossos tios policiais. Estas memórias nos assustam, mas também fazem com que sintamos muito amor por vocês. Lembramos o dia que vocês vieram ao nosso dormitório para fiscalizar nossa condição residencial. Quando vocês nos pediram nossas carteiras de identidades, nós lhes respondemos fazendo todos os tipos de perguntas afiadas. Nós nos sentimos desconfortáveis imediatamente, logo que vocês nos pediram nossas carteiras de identidades. Isto aconteceu porque sabíamos que alguns dos nossos irmãos mais velhos tinham todo dia que informar seu quartel-general sobre sessões de trabalho, uma vez que as identidades deles tinham sido confiscadas. Nós soubemos que os nossos irmãos tiveram que se submeter a estas sessões de perguntas e respostas durante a hora do almoço sem se alimentarem. Puxa vida! Crianças como nós provavelmente não seríamos capazes de agüentar uma fome dessas. Nós achamos que os adultos também não gostariam de ser questionados por crianças assim tão inesperadamente. Em nossos corações, nós desejávamos que nada disso tivesse acontecido. Um tio policial tinha repreendido um dos nossos irmãos mais velhos dizendo: “Como estas crianças podem falar com a gente deste jeito? Elas são da idade de nossos filhos”. Maravilhoso! Este comentário realmente nos fez sentir tão feliz, porque desde então, nós éramos tratados como os traidores do templo e cegos seguidores de propaganda. Vocês não nos achariam demasiadamente jovens para estes tipos de rótulos? Não esperávamos que vocês pudessem ser tão bondosos a ponto de nos considerarem como seus filhos. Mas nós compreendemos que vocês não puderam deixar de amar a nossa imagem de crianças inocentes cheias de vida em vestes monásticas marrons e simples. Esta imagem é completamente diferente da imagem atual dos adolescentes da sociedade lá fora. Diferentemente de muitos outros jovens, nós somos tão sortudos de não estarmos em um ambiente cheio de pressão do nosso grupo. Nós escolhemos por nós mesmos o caminho da liberdade e da felicidade, cultivando uma vida simples – uma vida com poucos prazeres materialistas e uma mente que não está apegada a um materialismo excessivo. Este caminho de prática torna fácil para nós aceitarmos as situações e dificuldades que os outros podem achar difícil de aceitar. Normalmente, as pessoas desenvolvem ódio e vingança para com àqueles que as fazem sofrer, mas devido a nossa prática de consciência plena, nós reagimos de forma diferente. Queridos tios, vocês sabiam que às vezes nos fizeram sofrer e perder um bocado de fé na vida? Nossos corações ainda estão demasiadamente jovens para aceitar estas ações que são assustadoras e contrárias ao que aprendemos na escola. Todos os valores culturais e morais – de cidadania, de vizinhança e de amor pelo nosso país – estiveram sendo plantados profundamente em nossos corações. Infelizmente, por termos sido sujeitos recentemente aos contraditórios eventos, estamos agora muito perdidos. Desenvolvemos tanta desconfiança e temos tantas questões sem respostas. Que respostas existiriam que nos ajudasse a fortalecer e manter nossa fé na vida? Quando os nossos irmãos foram surrados e arrastados, tentávamos de todo jeito estar presente um para o outro, e ao mesmo tempo, transformar nossas emoções violentas para não dificultarmos a situação ainda mais. Aceitamos o espancamento brutal sem reagir violentamente para manter a linda bondade amorosa que Buda nos ensinou. Vimos que vocês também testemunharam este assalto. Sabemos que vocês não estavam felizes em ver crianças aterrorizadas chorando e implorando a estes agressores a não levar embora os nossos irmãos mais velhos. Nós segurávamos com força em nossos irmãos apesar da surra que recebíamos. Alguns de nós perdemos a consciência. Sofrimentos inarráveis estavam em tamanha violência! A imagem mais comovente foi aquela dos nossos irmãos mais velhos se jogando debaixo do taxi para impedir que os irmãos deles fossem levados embora. Muitas outras imagens de partir o coração foram testemunhadas naquele dia. Irmãos tiveram suas vestes rasgadas, ao som de choros e gritos – imagens possíveis de se imaginar somente em tempos de guerra. Estávamos pasmos de testemunhar alguns de vocês, tios, usando forças contra nós, enquanto tentávamos impedir sua passagem e manter nossos irmãos. Tivemos que agir daquele jeito porque estávamos com medo e angustiados diante da violência sendo cometida. Em tal estado de agitação, não sabíamos como agir adequadamente para descobrir uma saída. Nós esperamos por algum tempo para que vocês viessem nos socorrer. E finalmente vocês vieram somente para levar nossos irmãos à força. Não conseguíamos deixar de nos sentir chocados e perdidos. Inspirados por nossa aspiração partilhada e compromisso profundo de irmandade para com nossos irmãos mais velhos, tivemos que arriscar nossas vidas para salvá-los. Vocês ainda conseguem se lembrar da nossa imagem tentando impedir vocês de levarem nossos irmãos mais velhos Pháp Hoi e Pháp Sy? Nós insistimos de acompanharmos estes irmãos, mas vocês não nos permitiam. Alguns de nós que tentavam segurar neles eram espancados. Talvez durante o violento pandemônio, vocês não estivessem cientes de que aqueles que vocês estavam espancando tinham 16-17 anos, e possivelmente eram da idade dos seus filhos. Que confrontação dolorosa! Naquele momento doloroso, nós podíamos somente olhar, impotentes. Sendo jovens e também praticando a não-violência, como poderíamos abraçar tamanhas emoções tempestuosas? Chorávamos, e por trás das lágrimas, nossos olhos seguiam os veículos levando nossos irmãos embora; desaparecendo gradualmente, deixando para trás uma tarde cheia de tristeza. Naquele exato momento, mais uma vez, surgiu em nossas mentes o lembrete diário de nossos irmãos mais velhos: “Não fiquem com raiva daqueles que nos fazem sofrer, porque eles tiveram as suas próprias dificuldades e sofrimentos – mesmo com os tios policiais. Às vezes eles não agem bondosamente, mas não devemos pensar negativamente deles. Eles também têm famílias, esposas, filhos, assim eles deveriam sabem quais são os comportamentos apropriados, mas por causa dos seus próprios meios de vida, eles têm que agir de determinadas maneiras”. Nós ficamos ouvindo esta mensagem claramente em nosso coração. Talvez porque estivemos vivendo e praticando num ambiente com amor e compreensão, naquele momento, nós não sentimos qualquer raiva ou amargor com relação a vocês ou aos outros que estavam nos causando sofrimento. Desde então, estivemos nos questionando se nossa fé na vida e nosso amor pelo nosso país e seu povo foram abalados pelo sofrimento numa idade tão tenra. Por favor, descansem assegurados de que nós não fomos afetados desta maneira; e enfrentar estas dificuldades e misérias é um bom treino para nossas mentes. Nós ainda amamos nosso país e nossos companheiros vietnamitas com todos os seus valores maravilhosos. Queridos tios, esta carta já está longa, e antes de terminá-la, queremos lhes dizer do fundo dos nossos corações que nós não estamos com raiva de vocês. Nós ainda lhes respeitamos como respeitamos nossos pais e irmãos mais velhos. Quando vocês tiverem uma pausa durante o seu tenso e ocupado dia de trabalho, por favor, apareça para uma visita. Nós tomaremos um chá juntos. Cantaremos para vocês e lhes contaremos estarias divertidas de nossas vidas – estórias infantis de inocência e travessuras. A vida precisa muito dos sorrisos das crianças; não acham? Além da infelicidade, raiva, acusações e desconfiança, existem amor e formosura, como o luar de hoje à noite. Vocês sempre serão aqueles a quem apreciamos e tomamos refúgio. Sinceramente,
Seus “bebês-monges” brincalhões.